Naquela época, o mato ainda tomava conta de um
pequeno caminho, que aos poucos iria ser aberto pelas pessoas que ali passavam.
Lembro-me, que de tempos em tempos, eu e minha
família atravessávamos este caminho para ir à casa da minha nona. Até hoje em
dia, me vem a lembrança dela, sempre com um lenço na cabeça e um avental, de
onde dos bolsos ela pescava as melhores balas, muitas vezes sem plástico ao
redor nem nada. Adorava quando ela me levava tratar as galinhas, bastava um
grão de milho cair ao chão, e lá vinham elas, prontas para sua refeição.
De vez em quando, a boa velhinha me levava até à
roça, para ajudar a arrancar batatas e aipins para o almoço. Depois de ter
lavado a louça, e arrumado a cozinha, lá ia ela pegar seu crochê para ir ao
quarto descansar.
Ah...como eu poderia esquecer do meu nono, senhor
respeitoso, não muito de "prosear", ficava mais em seu canto, lendo
seus livros, mas que de vez em quando soltava algumas histórias também.
No domingo, depois de ir à missa, passávamos na
casa dele para comer cuca - doce tipicamente alemão, como um bolo - e tomar
café; eu transbordava de alegria quando me contava da sua vida. Certa vez, ele
disse que as casas eram feitas com telhados em forma de triângulo e bem altas,
pois no inverno, de vez em quando nevava, e com o teto mais alto, não ficava
tão frio.
Do meu vizinho, era que vinham as melhores
histórias. Contou quando sofreram a primeira enchente em 1911. Ocorreu, pois,
os moradores estavam localizados na baixada do Rio Hercílio e Rio Scharlack.
Depois disso, eles foram embora de lá e se alojaram em lugares mais altos. Ele
me falou isso, quando fui comer ameixa e caqui direto do pé na casa dele.
Contava com orgulho sobre o pé de caqui (primeira árvore plantada em sua casa)
que tinha sido em homenagem a sua esposa. Até hoje, não descobri o motivo...
Não posso deixar de lado, as falas do senhor
Joaquim, que com os seus 100 anos de idade, contava das dificuldades que
passou. Da relação entre os índios e brancos, que aqui chegaram por volta do
século XX. Dizia que eram muitas as flechas com ponta de pedra, que se
acumulavam nas baixadas dos rios.
Quando eu era pequena, eram mortos muitos bois para
o sustento da família, cortavam o animal em pedaços e dividiam entre os
vizinhos. E quando os mesmos matavam os animais, retribuíam no mesmo número o
que tinham recebido.
Ainda sinto o gosto de leite puro da vaca, de onde
fazíamos queijo, puína (ricota), queijo frito com molho... era uma delícia!
E assim vou relembrando, memória por memória, e
cada vez sustentando mais a ideia de que devem ser guardadas não só no passado,
no pensamento, mas escritas em folhas de papel, nem que fiquem amareladas. Que
sirvam para serem folheadas e desfrutadas, pois com toda a certeza, alguém,
algum dia, vai lhe perguntar: "como eram as coisas antigamente?"
CRÔNICA
Aluno: Willian Eduardo da Luz Lehmkuhl
Título: Mistério da minha cidade
A minha cidade é pequena. Uma cidade onde todos se
conhecem. Por isso, observar tudo e todos ao redor não é difícil. Percebi que
todos seguem uma rotina monótona, nessa cidadezinha chamada José Boiteux, no
interior de Santa Catarina.
Nessas percepções encontrei uma pessoa especial.
Essa pessoa não é deficiente ou rica, essa pessoa é diferente, pois ela segue
uma rotina tão estranha, que é quase imperceptível.
Apesar de ser uma pessoa adulta e que carrega em
suas costas uma mochila gigantesca, sua vida quase não é notada. Ele usa um
fone de ouvido potente, não sei se o que ouve é música ou a leitura de mais um
livro e sempre está sentado em algum lugar da praça lendo ou jogando seu
"mini game".
Ele parece ser muito intelectual, dizem na praça
que ele enlouqueceu por tanto estudar. Mas, observando, percebi que ele
simplesmente gosta de obter conhecimento para ser sábio.
Fiquei o olhando, quando vi um universitário
conversar com ele, notei que tirava do bolso dinheiro e que falavam sobre um
assunto da faculdade. Quando dei por conta que o estudante estava pagando o
homem para que ele fizesse o trabalho de faculdade para ele. Intrigante, não!?
Ele é uma pessoa misteriosa, difícil de se
decifrar. Pois nunca sei o que passa em sua mente. Percebi que quando ele está
lendo, ele entra em um mundo totalmente diferente, ele entra no mundo da
imaginação. E quanta criatividade deve passar em sua mente já que o mundo da
leitura é sua vida... Por isso, dificilmente
cumprimenta ou observa quem passa em sua frente.
Saber o que se passa com ele e o que ele pensa, só
se parar para perguntar. Mas isso, não tenho coragem. Talvez eu seja como o
universitário, tenha medo ou vergonha. Prefiro manter esse mistério, assim seu
anonimato o deixa mais tranquilo para continuar sua rotina intelectual. Essa é
só mais uma pessoa maravilhosa da minha cidade.